Como parte das intervenções que ocuparam o Sesc 24 de Maio e seus arredores durante a 12ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, os escritórios Vão e Adamo Faiden, do Brasil e Argentina, respectivamente, propuseram uma instalação de espelhos no edifício vizinho ao estimado Sesc, na altura de seu 11º pavimento, que estabelece uma série de diálogos visuais cruzados entre as edificações, seus ocupantes e a paisagem urbana.
A partir do Sesc 24 de Maio, usuários e visitantes têm um ponto de vista atípico sobre São Paulo. A transparência de sua fachada coloca o público em estreita proximidade com as fachadas vizinhas, contrastando seus espaços coletivos intensamente utilizados com a intimidade do dia a dia das pessoas. A instalação O que vemos, o que nos olha estabelece uma conexão direta com a coleção de interiores visíveis desde o 11º andar do Sesc, espreitando um espaço vazio localizado no Edifício Schwery, prédio vizinho projetado na década de 1940 pelo arquiteto francês Jacques Pilon.
Saiba mais sobre a instalação, acompanhada do memorial escrito pelos autores, a seguir:
“Que haja espelhos,
Que o usual e gasto repertório
De cada dia inclua o ilusório
Orbe profundo que urdem os reflexos”
- Trecho de Os Espelhos, Jorge Luis Borges
“E ali é a mesa do homem que joga paciência o dia todo”, apontou uma funcionária do Sesc 24 de Maio no dia da abertura da 12ª Bienal de Arquitetura. Capturado em meio ao falatório que se formava junto à janela, o comentário entre os colegas de trabalho veio a confirmar as intenções da instalação ´O que vemos, o que nos olha’.
A convite da curadoria da Bienal formou-se, especialmente para a realização deste trabalho, a equipe brasilo-argentina de escritórios de arquitetura, Vão e Adamo Faiden. Como premissa o dispositivo deveria inserir-se conceitualmente no eixo-temático Relatos do Cotidiano bem como estar relacionado ao contexto do Sesc 24 de Maio.
Cotidiano é um tema intrínseco ao projeto do Sesc desenvolvido por Paulo Mendes da Rocha e MMBB. Tanto externamente, de onde vê-se o entorno refletido em suas fachadas, quanto internamente, nos convites a olhar para a vida lá fora, a massa construída do grande equipamento dilui-se na área central de São Paulo. Aberturas e enquadramentos ao longo do percurso aproximam visualmente os usuários ao movimento das ruas e das construções presentes no entorno.
Uma abertura panorâmica, sem vidros nem caixilhos, presente no 11o andar é o ápice do diálogo estabelecido com a cidade. Seduzidos pela vista desvelada prontamente na abertura das portas do elevador, somos atraídos automaticamente às bordas para ver a cidade de cima. Junto a um café, o mirante é o lugar onde as pessoas despendem longo tempo sentadas a observar a paisagem composta pelos arranha-céus.
Foram algumas idas ao andar do café-mirante para darmos atenção a uma janela na parede de concreto. A vista, bem menos atrativa, revela um recuo para iluminação natural compartilhado com o prédio vizinho, localizado a apenas 7 metros de distância. É aqui que os funcionários do Sesc, não o dia todo mas sim todos os dias, praticam em pé a observação em breves pausas entre entradas e saídas do núcleo de circulação.
Do outro lado estão os trabalhadores do edifício comercial chamado Schwery, projetado pelo arquiteto francês Jacques Pilon nos anos 40. A curiosidade suscitada pela rotina dos desconhecidos, aqueles que sempre enxergamos mas não acessamos, motivou a escolha de uma sala comercial desocupada como local da instalação. Enquadradas frente a frente, as janelas encontram-se praticamente em mesmo nível.
A sala foi preenchida por uma pirâmide de estrutura de madeira revestida por espelhos. Seus quatro planos inclinados expandem a capacidade ótica humana, permitindo ver o que a vista antes não alcançava, seja no pedaço de céu ocultado entre altas construções, agora revelado no plano que emerge do piso; seja na imagem de outro vizinho projetada à direita, a Galeria Monteiro projeto do arquiteto Rino Levi (1960).
O Sesc aparece à esquerda da pirâmide provocando desorientação. A duplicação de sua imagem no vizinho nos dá a impressão de que o espaço fora expandido. Afinal, o que está realmente diante de nossos olhos? Não se sabe ao certo, pois o espelhamento aqui é a materialização de um espaço imaginário construído por fragmentos e reflexos, e não por mera reprodução da realidade.
‘O que vemos, o que nos olha’ fala nas entrelinhas sobre a relação de doação e reciprocidade entre espectador e obra de arte, como fora abordado pelo filósofo, historiador e crítico de arte Georges Didi-Huberman autor do livro cujo título fora emprestado por esta instalação.
Talvez também seja sobre encararmos a nossa auto-imagem, como o ‘rosto que olha e é olhado’ no poema ‘Os Espelhos’ de Jorge Luis Borges. Ou será que estamos falando sobre a transformação da imagem de cidade que construímos? Poderíamos citar ainda o voyeur? E quem seria ele? O vizinho curioso ou as câmeras de segurança espalhadas que nos controlam, estas sim, todos os dias o dia todo?
‘O que vemos, o que nos olha’ é sobre ver e não sobre enxergar. Para além do fenômeno óptico nos interessa os aspectos fenomenológicos da imagem criada e as camadas interpretativas que podemos alcançar por meio dela.
Ficha Técnica
Autores: Anna Juni, Enk te Winkel e Gustavo Delonero (vão); Sebastian Adamo e Marcelo Faiden (adamo-faiden)
Colaboradores: Deborah Caseiro e Julio Shalders (vão); Jeronimo Bailat e Lucas Bruno (adamo-faiden)
Execução: Jenivaldo Ferreira (estrutura); Cescon Vidros (espelhos)
Fotos: André Scarpa, Javier Augustín Rojas e Vão